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a que respondem os contra-manifestos, até que effectivamente rompem as hostilidades. Todavia auctores existem como Bynkershoek, que sustentam que nem estes manifestos são necessarios, e muitas vezes de improviso, ou de hostilidades em hostilidades se aggrava entre as nações a sua situação até à manifestação formal do estado de guerra. Guerras tem havido sem previa declaração; como foi a que rebentou entre a França e a Inglaterra em Junho de 1755, sómente declarada soleminemente em Maio de 1756; e nas negociações movidas em 1761 sobre restituição e indemnisação de presas feitas antes d'essa declaração entre acorte de Versailles e a de Londres, sustentou esta abertamente a falta de direito à reclamação como infundada por falta de convenção especial e dependente de um principio de direito das gentes sujeito a contestação.

[361]

*As surprezas porém d'este genero tomamo caracter de perfidia e aleivosia. Ea guerra dos piratas e salteadores em ponto grande. Felizmente similhantes aggressões inesperadas são hoje pouco provaveis de facto porque a toda a guerra precedem symptomas e actos preparatorios que manifestam o estado de transição e constituem como uma declaração tacita que substitue a solemne ou expressa. O segredo absoluto não 6 possivel no estado actual da organisação, relações e facilidade de communicações entre as nações modernas. (Ortolan, Règl. intern., liv. 3o, cap. 1°.)

Portanto o elemento dirimente, admittido sem excepção no presente art., não pode com verdade moral ser admittido. A malicia ou imprudencia do ministro d'estado que auctorisa o acto, não destroe nem o elemento moral malefico na pessoa do auctorisado, nem a responsabilidade directa que lhe resulta do abuso que fez du sua liberdade e actividade.

Alem d'isso, assim como lembrou no § un. do art. 143° particularisar os ministros d'estado quando fossem auctores directos dos factos a que

o mesmo § se refere e em geral. no art. 1939, os funccionarios supe[362] riores que ordenassem aos seus inferiores um acto criminoso *tam

bem aqui deviam elles ser particularisados, quando simplesmente o auctorisassem, e que assim, dando a outrem carta, diploma ou instrucções em préjuizo de uma nação estrangeira ou de seus subditos, fossem causa da guerra ou represalias.

Um ministro d'estado em similhantes circumstancias é criminoso, ou por traição ou por imprudencia, e em todo o caso è sempre responsavel por todos os actos directos ou indirectos de provocação; 1' Quando lhe falta a justiça paru aggressao; 2° Quando não lhe faltando a justiça, resulta maior mal politico e material contra a nação de recorrer a sorte das armas; 3° Quando provoca directa ou indirectamente sem ter de antemão calculado as forças da reciproca defeza e ataque.

Tanto maior é a extensão do direito politico, que sobre declaração de guerra a curta, no art. 75° § 9 concede ao poder executivo, sem dependencia de deliberação das camaras legislativas, quanto maior e mais especial deve ser a repressão legal contra os ministros d'estado, que auctorisarem pela provocação as represalias e em seu seguimento envolverem por tal forma a nação em immensos sacrificios, difficuldades e perigos.

[363] *Portanto, se o presente art. toma como circumstancia dirimente e em termos absolutos a auctorisação do governo, para a provocação à guerra ou represalias, a justiça é a politica pediam que o cod., incriminasse o facto da auctorisação em si mesmo, quando abusiva por malefica ou culposa contra os membros do gabinete que d'ella participassem como auctores ou cumplices.

Se os crimes que os ministros de estado podem commetter no exercicio de suas funcções têem uma natureza especial que deva ser estudada e tratada para uma lei particular, cumpria então elimina-los completamente do cod. e não os comprehender, já por determinação especial, como se fez no cit. § un, do art. 143° já como a cada passo por determinações geraes absolutas "todo o portuguez, todo o funccionario publico” sem resalva alguma dos mesmos ministros, o que muitas vezes, como veremos, lhes torna o cod. de irrisoria, absurda ou impossivel applicação.

[364]

ART. 156. Qualquer pessoa, que sem auctorisação do governo recrutar ou fizer recrutar, assalariar ou fizer assalariar gente para o serviço militar ou maritimo estrangeiro, ou procurar armas ou embarcações ou muniçoes para o mesmo fim, será condemnado no maximo da prisão correccional, e no maximo da multa.

§ unico, se o criminoso for estrangeiro, será expulso temporariamente. Este art. parece ser tirado, quanto à redacção, do art. 22o do Cod. Pén. Fr.:

Seront punis de mort ceux qui auront levé ou fait lever des troupes arinées, engagé ou enrôlé, fait engager ou enroler des soldats, ou leur auront fournis ou procuré des armes ou munitions sans ordre ou autorisation du gouvernement.

Pela collocação que ali tem este art. é fóra de duvida que sómente è applicavel ao caso em que se provar, que os recrutamentos tinham por fim pertubar a segurança interna do paiz. O tribunal de cassação de Paris, por accordão de 13 de Fevereiro de 1823, decidiu que esta prova era inutil, e que no silencio da lei se devia considerar sómente o facto material, com abstracção do seu fim.

Mas Chauveau e Hélié, Théorie du Cod. Pén., cap. 18, demonstram que esta doutrina é inteiramente contraria á lei, e que nem o legislador podia ter a intenção de ferir com a pena de morte attentados *de outra natureza.

[365] Tratando-se de recrutamento para um paiz estrangeiro não se poderia justificar similhante pena. Este facto não e criminoso em si mesmo, mas sómente quando ou o fim não è honesto, ou se dà violação das leis de policia de ordem ou de conveniencia publica. E o egoismo da propria conservação, deixando os partidos ou as potencias belligerantes entregues a si mesmas, quando um auxilio d'esta natureza poderia ou salva-las ou dar á guerra uma solução mais rapida e mais honrosa.

O nosso Cod. porém aproveitou a incriminação não sò applicando-a aos recrutamentos para serviço militar estrangeiro, mas tambem ampliandoa ao serviço maritimo militar e não militar converten do assim em delicto o que essencialmente não é mais, que uma simples infracção. O que é illicito moralmente, não póde tornar-se licito pela auctorisação de nenhum governo, a qual só recáe sobre factos moralmente licitos. Se a violacão consiste então sómente na preterição d'esta solemnidade, a infracção assume o caracter de contravenção mais ou menos grave, mas nunca deveria passar á categoria de crime.

No mesmo sentido, mas com uma relação directa a todo e qualquer fim, que fóra de um caso urgente não fosse para repellir o perigo imminente da patria atacada pela guerra interior ou exterior, foi adop[366] tada, no cod. de 1837, a incriminação do *cod. Fr. e debaixo da

mesma pena de morte.

Prohibia pois tambem esse cod. implicitamente os recrutamentos on alistamentos para o serviço estrangeiro, mas auctorisava todos os esforços individuaes desta natureza, en caso urgente de defeza interna ou externa.

O Cod. Pen. do Brazil é omisso e não o censuramos por isso. Limitouse a incriminar geralmente, no art. 73°, o facto de hostilidades, contra subditos de outra nação por modo tal que se comprometta a paz ou se provoquem represalias.

O Cod. Hesp. art. 142° No. 6° so puniu, debaixo de pena de ferros até ao maximo de morte, o que recrutasse em Hespanha para o serviço das armas de uma potencia inimiga. É porém omisso tambem na hypothese de que trata este nosso art.

Concordam porém em ambas as hypotheses, que todavia distinguem os Cod. da Sardenha, art. 181o, e o das Duas Sicilias, art 109°.

O da Sardenha, na primeira hypothese, impõe a pena temporaria de

reclusão a trabalhos forçados, conforme as circumstancias, e na segunda, a de morte.

O das Duas Sicilias impõe tambem n'esta ultima hypothese a pena de morte, mas na do nosso art. a pena de exilio temporario.

[367] No moderno cod. da Baviera, art. 306°, No. 4o, se *acha uma disposição em parte e substancialmente concordante, classificada como de crime de traição no quarto grau e portanto punida com a pena de dois a oito annos de prisão:

Celui qui enrôlera secrètement des sujets du royaume au service d'une puissance belligérante étrangère ou qui prêtera aide et assistance à un recruteur non autorisé pour l'exécution de ses desseins.

Nos outros cod. da Allemanha, com relação ao crime de traição, são considerados e punidos como seus actos preparatorios os recrutamentos assim como as compras de armas e de municoés. A mesma doutrina se acha no cod. da Prussia § 64°.

Finalmente no cod. da Austria, art. 77°, tambem se encontra concordancia com este nosso art., mas é só para remetter para a lei militar uma similhante incriminação e portanto restricta ao estado da guerra com a nação recrutante.

Celui qui enrôle des hommes pour un service militaire étranger et puni, conformément aux lois militaires, par le pouvoir militaire.

est jugé

Esta observação foi feita por Cambacéres nas discussões do conselho de estado sobre o Cod. Pén. Fr. Foilhe porém respondido por M. Berlier, que da inserção no cod. não resultava inconveniente. Mas então redar

gue o cit. Chauveau et Hélié, essa incriminação ficou sem utili[368] dade; porque desde que se reconrece que *os factos previstos no

art. são factos militares, não se ve motivo algum fundado que justifique uma excepção para que esta disposicão tome logar entre as de dereito criminal commun. E uma derogação á ordem das materias que o cod. se propoz seguir.

Todavia, se não forem militares os culpados do crime previsto n'este nosso art., não poderão ser julgados pelos nossos tribuuaes militares em vista do que dispõe este nosso cod. no art. 16o.

Quanto à penalidade, reconhecemos que ella e appropriada aos delictos de que se trata n'este art. tanto pelo que respeita á de prisão correccional, como à de multa. È um dos poucos casos em que a pena pecuniaria tem logar sem vicio de confisco. Sem meios pecuniarios não se recruta, não se assoldada, não se assalaria nem se faz assalariar. O dinheiro e aqui o movel principal, o instrumento do delicto. A maneira indirecta de o sequestrar é em harmonia com o art. 81° do cod., certamente uma multa e forte.

Todavia o attentado póde ser mais ou menos grave, as circumstancias de que se ache revestido desculpar ou não, e mais ou menos a intenção do seu auctor. Recrutar em pais estrangeiro para levantar o grito da liberdade, da independencia ou da legitimidade, e um procedimento que excita as sympathias de um publico illustrado, e de todos os homens que detestam a tyrannia, a injustiça, a usurpação. Recrutar para restorar o absolutismo, adjudar uma conquista, restabelecer a inquisição, destruir a propriedade ou o credito de uma nação, é um attendado que excita horror, que detestam todos os que prezam a ordem, a paz e a felicidade do genero humano.

Pois que deve incriminar-se o soccorro por tal meio a uma nação que lute com forças desiguaes para manter a sua independencia ou a sua liberdade ou a legitimidade de um principe?

Posto isto, a penalidade comminada sempre no seu maximo se torna

viciosa, por isso que assim se torna indivisivel. Necessariamente da logar a punir-se com demasiado rigor, tanto a contravenção que tinha um fim nobre e generoso, como a que tinha um fim ignoble e abominavel. Alem disso, um recrutamento ou alistamento paro o serviço maritimo não é em si mesmo tão importante, como para o serviço militar ou naval de uma nação estrangeira. A liberdade de commercio reciproco, que tanto convem e se deve favorecer entre as nações, desculpa sempre a violação de uma formalidade de auctorisação.

Em especulações mercantis, com dependencia de viagens de mar, um dia, uma hora de tardança póde malograr um bom negocio, tornar ruinosa

ou inutilisar uma operação de commercio que aliás seria excel[370] lente se fosse conduzida a tempo. O segredo mesmo, que é

muitas vezes preciso guardar, o segredo que é a alma é a vida de similhantes emprezas, repugna a que se tornem sensiveis pela demora dos actos preparatorios, para a qual concorreria forçosamente a necessidade de uma auctorisação do governo em casos taes.*

*O Sr. Levry entende, que este art. se deve entender do serviço de guerra; e toma por fundamento que o contrario seria um absurdo de tal ordem que não è possivel suppor que o legislador o quizesse sanccioner. Porém, salvo o respeito e merecido louvor que tributamos ao joven jurisconsulto, não vemos nas palavrasnem no contexto do art. razão concludente para restringir a sua disposição. Embora ella seja uma aberração de tudo quanto se acha legislado em outros cod. a similhante respeito, como sómente aqui se incrimina uma contravenção, co legislador podia ter em vista a necessidade de marinhagem tanto para os nossos navios de guerra, como mercantes nacionaes, não reputamos a disposição tão absurda como parece à primeira vista. Alem de que o re[371] crutamento de marinhagem mercante quando nacional *não prejudica o recrutamente d'ella para o serviço da armada, antes e para ella um viveiro util, em quanto que o recrutamento da marinbagem para a marinha mercante estrangeira é um meio de a subtrahir ao serviço nacional. E tanto mais isto assim procede, em vista do regulamento de 30 de Agosto de 1839, ordenando no art. 13° do cap. 3o que os navios mercantes sejam escrupulosamente visitados para que não levem marinheiros portuguees sem permizão, e que, no caso de se encontrarem, o capitão do porto os entregue logo em custodia ao encarregado de policia, a fim de na primeira occasião os remetter para o arsenal da marinha, para serem embarcados nos navios da coròa, e encarregando, em art. addicional, o mesmo capitão de fazer todas as diligencias possiveis para ter sempre um mappa de todos os marinheiros, com declaração do numero com que se póde contar para o serviço da armada.

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Assim a comprehenção do serviço maritimo estrangeiro, com quanto não militar, mas em geral maritimo, póde sem o tigurado absurdo considerar-se existir nas palavras serviço militar ou maritimo estrangeiro" principalmente porque por este modo [372] fica a falta de auctorisação incriminada *aqui em relação ao recrutante, como fora nos. §§ 1o e 2o antecedentes a respeito dos recrutados ou acatantes, com designacão expressa dos navios mercantes.

Em todo o caso raconhecemos que a redecção não é boa, mas temos por melhor criticar a lei, para que se reforme, que lançar mão do ultimo dos recursos, o argumento por absurdo, para que a sua disposição litteral se neutralise. Dara lex, sed lex.

Assim, ainda por esta consideração se aggrava o vicio da penalidade. Não só vem a ser punidos com a mesma pena factos diversos em gravidade pela intenção, mas factos diversos em gravidade por sua mesina natureza.

Esta incriminação tem o seu fundamento nas doutrinas de Wolfio e de Vattel, invocadas pelo governo americano en 1793, no começo da guerra europea e incorporadas em uma lei do congresso publicada em 1794 revista e restabelecida em 1818.

Por esta lei è um delicto não só augmentar a força de um navio de guerra de paiz não inimigo, preparar uma expedição militar contra esse paiz, como tambem assalariar ou recrutar para un serviçó estrangeiro de terra ou de mar.

Este exemplo da America foi bem depressa seguido pela Gran-Bre tanha no acto do parlamento, 59° Geo. III, cap. 59°, intitulado, “Acto para impedir o alistamento ou recrutamento” dos subditos de S. M. para ser

viço estrangeiro ou o armamento e equipamento nos dominios de [373] S. M. n'uma intenção de *guerra sem permissão de S. M.

A razão fundamental em que se firmam Vattel e Wolfio para condemnar os recrutamentos sem auctorisação do governo, é que estes são uma prerogativa exclusiva da soberania que ninguem, sem permissão expressa, pode legitimamente exercer em territorio de outro estado. Mas todas as prerogativas da soberania têem os seus justos limites e termos, não vão a mais nem a menos do que é preciso para se consequir o fim social. Se o recrutamento não prejudica o serviço militar nem substrahe os recrutados ao tributo, dito de sangue, para com o seu paiz, em que se offende a prerogativa?

No acto constitucional federativo da Allemanha, assignado em Vienna em 8 de Junho de 1815, e concedido no. art. 18° aos subditos dos estados confederados "entrar no serviço civil ou militar de qualquer d'esses estados, comtanto porem, que o exercicio d'esse direito não prejudique a obrigação do serviço militar que lhes impõe a sua patria."

Os Americanos acrescentavam, invocando em favor da sua neutralidade absoluta, os principios de direito natural, que assim como um homem se devia julgar em paz com outro homem, em, quanto este o não aggredia, o mesmo se devia dizer de nação a nação.

[374] *Mas esta argumentação tambem não colhe, porque se colhesse para o caso, ficava sendo falso o direito natural que não só não incrimina tanto a defeza pessoal, como a de outra pessoa; principio adoptado n'este nosso Cod. art. 14o, No. 3 e outros art. concordantes; mas muito pelo contrario condemna como immoral o facto d'aquelle que presencia de braços cruzados a luta de um com outro homem e a morte ou ferimentos graves de um d'elles sem lhe acudir podendo.

Nada d'isto porem póde ter applicação ao serviço maritimo mercante em tempo de paz, em que não é de presumir a simulação o fraude em favor da guerra. Em conclusão pois esta incriminação comprehende factos de diversa gravidade e natureza que converia discriminar e punir diversamente segundo a qualidade do delicto, como era de justiça, a que resiste a disposição penal do art. em razão do maximo em que para todos é fixada. Quanto a modificação que se encontra no § un. consideramos adequada està solução do legislador. Quando o recrutante é um estrangeiro, e sem vistas algumas hostis contra nós, a expulsão do reino é o procedimento que mais convem.

E não tem aqui esta penalidade o defeito das antecedentes, porque sendo imposta a temporaria, sem algum outra declaração, devem os estrangeiros ser expulsos por tempo que não excedendo o maximo de doze annos, póde segundo as circumstancias, reduzir-se até tres annos, conforme o art. 36o.

[375]

"[Translation.]

CODE AND COMMENTARIES.

Theory of international right, applied to the Portuguese penal statute, compared with the Brazilian statute, the national laws, the statutes and criminal laws of ancient and modern nations, presented to His Imperial Majesty Dom Pedro II, Emperor of Brazil, by F. A. F. Da Silva Ferrão. Vol. IV, (Lisbon, 1857,) pp. 181, 231.

ARTICLE 148. If any Portuguese subject shall, by any acts whatsoever not authorized by the government, expose the state to a declaration of war, or expose Portuguese subjects to reprisals from foreign power, said offender shall be condemned to temporary ban

any

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